
Para favorecer o comércio com países vizinhos e o crescimento nacional, a Argentina precisa atualizar a infraestrutura e otimizar os processos dos passos de fronteira.
A Argentina tem 158 postos de fronteira habilitados para o transporte terrestre com seus países vizinhos, mas apesar de serem o centro nevrálgico para o desenvolvimento do comércio com a região (mais de 90% do intercâmbio total se realiza em caminhões), recebem muito menos atenção que os portos e aeroportos, e historicamente ficaram fora da mesa central dos processos decisórios.
O “guarda-chuva normativo regional” do transporte internacional rodoviário está conformado pelo Acordo de Transporte Internacional Terrestre (ATIT, de 1990), o Tratado de Assunção (1991), os Acordos de Recife de Controle Integrado de Postos de Fronteira do MERCOSUL e Estados Associados (1993), e toda a normativa bilateral e regional posterior que foi inovadora, incorporando as modalidades denominadas “controles integrados”, que podem ser com única ou dupla cabeceira.
Problemas nos passos de fronteira argentinos
A problemática das fronteiras é abundante e complexa, com denominadores comuns, e ao mesmo tempo com demandas específicas para cada caso.
Com respeito aos postos fronteiriços entre a Argentina e o Brasil, podemos citar dois exemplos paradigmáticos. Por um lado, Santo Tomé–São Borja. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e outros organismos regionais consideram a Área de Controle Integrado (ACI) com cabeceira única do lado argentino como “Caso Modelo” no continente.
O posto opera 24 horas, e graças à infraestrutura física adequada, à quantidade e qualidade de recursos humanos, e à informatização das operações, os 500 caminhões que transitam por ele diariamente o fazem de maneira ágil e segura (o processo leva entre 2 e 4 horas).
Foi construído e operado em sua totalidade por uma empresa privada desde sua inauguração, e a concessão vence em agosto próximo (atualmente há um processo licitatório em curso).
Santo Tomé–São Borja é o único posto de fronteira da região que cumpre com todos os requisitos estabelecidos no Acordo de Recife, apesar disso, para os parâmetros de competitividade e eficiência que o setor requer, também necessita de alguns ajustes e atualização operacional.
A contracapa é Paso de los Libres–Uruguaiana. O complexo mostra severos problemas de infraestrutura de todo tipo, falta de coordenação entre os organismos e crescentes índices de insegurança de acordo com levantamentos realizados pelo Departamento de Transporte Internacional da FADEEAC.
Essas ineficiências provocam longas demoras na passagem, por onde transitam mais de mil caminhões diários, mas com tempos de espera que oscilam entre 12 horas e 3 dias.
Em ocasiões, a demora nos trâmites faz com que muitos desses caminhões fiquem enfileirados sobre a ponte internacional. O controle integrado se faz complexo, fundamentalmente por falta de algumas condições necessárias do lado argentino.
O governo nacional iniciou um processo de concessões ao setor privado para a administração dos postos, começando pelo Complexo Terminal de Cargas (COTECAR) de Paso de los Libres. O procedimento se encontra na primeira etapa e, segundo foi anunciado, uma vez finalizado, continuará com a mesma modalidade em outras fronteiras.
Em uma lista virtual de “postos ineficientes” podem ser mencionados outros exemplos, como Clorinda–Puerto Falcón, com o Paraguai, cujo funcionamento se encontra em “estado de colapso”. Ali os caminhões (cerca de 100 por dia) demoram até 6 dias para atravessar os controles.
A Tríplice Fronteira (Iguazú) mostra grandes deficiências em infraestrutura, mas também em aspectos vinculados à tecnologia deficiente e problemas de insegurança.
Entre os “maus exemplos” também se inclui postos com a Bolívia, como Salvador Mazza–Yacuiba (aproximadamente 100 caminhões diários), e La Quiaca–Villazón (cerca de 80 caminhões diários), onde os transportadores vivem situações críticas de demoras, somando complicações às já particulares condições dos trânsitos nessa fronteira.
Também há problemas de infraestrutura pendentes de solução em Gualeguaychú–Fray Bentos, principal posto com o Uruguai, com especial relevância durante a temporada de verão.
Outro caso muito relevante que põe em evidência dificuldades logísticas de alto impacto para o transporte é a principal via de comunicação com o Chile: o Sistema Integrado Cristo Redentor. Por ali circulam cerca de 1.000 caminhões cada dia, com picos de 1.500. O deficiente funcionamento do sistema durante todo o ano se agrava na temporada de inverno, quando as horas de habilitação se reduzem à metade, além da geografia que soma uma dificuldade extra à lista de inconvenientes do posto.
Como solucionar o problema
Recentemente foram reiniciados trabalhos de mapeamento e estudos sobre o Corredor Bioceânico de Capricornio para integrar regiões produtivas desde o Brasil até o Chile, passando por Paraguai e Argentina.
O trabalho “Processos Transfronteiriços e Facilitação do Comércio no Corredor Bioceânico de Capricornio”, desenvolvido durante este ano pelo Instituto PROCOMEX, com apoio do BID, e participação do setor privado como grande parte da fonte de informação incorporada, põe em evidência a importância de concretizar este projeto de longa data, como contribuição para a conectividade, o comércio e o transporte entre esses países e para outras regiões.
A Chancelaria Argentina, através do Conselho Federal de Relações Exteriores e Comércio Internacional, coordena um trabalho de Diálogo Federal sobre Integração e Infraestrutura para Corredores Bioceânicos. As províncias envolvidas também têm uma participação ativa nesse marco com o objetivo de desenvolver seus potenciais produtivos e de serviços.
Principais pendências em nossos postos de fronteira:
-
Conservar e modernizar a infraestrutura.
-
Incrementar a provisão e formação de recursos humanos.
-
Tornar mais eficiente o controle de peso por meio de um sistema moderno de pesagem (preferencialmente WIM).
-
Simplificar a normativa vigente.
-
Agilizar o sistema informático de controle de transporte.
-
Avançar em sistemas como Ventanilla Única do Comércio Exterior e Operador Econômico Autorizado (OEA).
-
Harmonizar assimetrias (sistemas tributários e normativa trabalhista).
-
Resolver os problemas de conectividade nos postos fronteiriços e zonas adjacentes.
-
Inclusão do setor privado na Comissão Nacional de Fronteiras.
O transporte é uma atividade estratégica para o desenvolvimento econômico e social dos países, e um elemento chave nos processos de integração. Requer os aportes de todos os setores, a incorporação de mais tecnologia e a implementação de infraestrutura sustentável para evitar as demoras que hoje significam um custo extra de aproximadamente 400 dólares diários por cada caminhão detido.
O mercado oferece veículos mais modernos, automatizados, elétricos, e de maior capacidade de carga, mas operá-los requer condições de infraestrutura e tecnologia que ainda temos pendentes.
Artigo por Silvia Sudol – Diretora do Departamento de Transporte Internacional da FADEEAC, publicado no Movant Connection
Foto: Freerange Stock